Breve: Louva-a-deus, um inseto mal compreendido

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Quem é o verdadeiro "Brasiguaio"

Eis que ao ler matéria jornalística intitulada “Terras da Discórdia”, da Folha de Londrina, veiculada no domingo (5/6), surgiu neste sôfrego blogueiro a inspiração para comentar tão interessante assunto. Afinal, é gritante o sentimento de bairrismo e parcialidade que impera no referido artigo.
Com farto espaço de duas páginas, a redação do tablóide entra de sola na questão, dizendo que brasileiros “parceiros no desenvolvimento paraguaio” plantaram riqueza e colhem insegurança.
Acusando de corrupção a Coordenadoria Agrícola do Paraguai, bradam os latifundiários brasileiros detentores de imensidões de terras na região do Alto Paraná, que a Justiça Paraguaia valida títulos falsos para “tomar” as terras que lhes pertencem, presenteando-as ao “nativos incapazes”.
A matéria inclusive inicia dizendo que a terra que antes “só tinha alguns pés de mandioca e minguadas pastagens com meia dúzia de gados, hoje ganhou vida em fazendas de soja. As matas deram lugar à agricultura.” Os campesinos não mais podem praticar sua agricultura de subsitência.
A reportagem, além de gabar o coronelismo dos proprietários desalojados pela Justiça de terem se negado a devolver as terras aos verdadeiros donos – inclusive erguendo barricadas para evitar a ação da polícia – denomina de “brasiguaios” os detentores de descomedidas áreas cuja posse tem estirpe duvidosa.
O 'Brasiguaio'
Em primeiro lugar, quem é, afinal, o “brasiguaio”?
Migrações de massivas levas de brasileiros rumo ao oásis agrícola apregoado pelos governos ditadores dos dois países a partir da década de 1970 culminaram com a valorização das terras na faixa leste paraguaia, que foram adquiridas anteriormente por grandes latifundiários e empresas estrangeiras do setor agropecuário a preços baixos.
Um grande jogo geopolítico dos governos ditadores dos dois países para, mais uma vez, favorecer a elite fundiária em detrimento do camponês.
O verdadeiro Brasiguaio
Colossais áreas de terras foram compradas (presenteadas) por essa elite fundiária com o total apoio do Instituto de Bienestar Rural (IBR), um agente do latifúndio, para especulação, gerando, primeiramente, a expulsão dos “nativos” (como fala a Folha) que haviam adquirido a terra do mesmo IBR, nos anos de 1960 que, naquele momento, invalidou os contratos desses camponeses.
O latifúndio passa a denominar-se agronegócio na última década do século XX, e esse novo sistema gerou uma grande massa de excluídos do campo que, não tendo terra para trabalhar, se viram obrigados a voltar e se instalar nas cidades que margeiam o Rio Paraná, gerando problemas quase que irreversíveis para esses municípios. Esses são os verdadeiros “brasiguaios”.
Pobres poderosos
A verdade está escrita em uma série de trabalhos científicos e inúmeras matérias da imprensa da região, e em especial na primorosa monografia do Mestre em Geografia Carlos Alberto Ferrari, Brasiguaios na Fronteira: luta pela terra, violência e precarização do trabalho no campo e na cidade.
Agora nós, brasileiros da elite, queremos taxar de “pobre vítima” um latifundiário detentor de 45 mil hectares, que colaborou na expulsão dos nativos de suas terras, e que terá de devolvê-las aos verdadeiros donos?
Os grandes fazendeiros (latifundiários) da soja transgênica, cada vez mais, necessitam de espaços físicos para maior acumulação de riquezas e, para isso, precisam fazer a limpeza da área, isto é, expulsar os pequenos agricultores brasiguaios e paraguaios de suas terras.
Tecnologia "de ponta"
São diferentes dos verdadeiros brasiguaios! São os “brasileiros no Paraguai”, como diz o trabalho acadêmico supra citado.
Os grandes latifundiários da monocultura de soja transgênica são os médios produtores rurais integrados com as empresas do agronegócio, são os proprietários de silos, são os bancários, trabalhadores do setor administrativo de empresas agrícolas como a Cargil, a Bünge, a Lar. Enfim, são os imigrantes com melhores condições financeiras que, por sua vez, são protegidos pelas autoridades paraguaias, e sequer gostam de ser chamados de brasiguaios.
Indignação abafada
Para os que facciosamente acusam este sôfrego blogueiro de ser contrário à pátria que lhe pariu, basta verificar lamentos emanados da pátria prejudicada, logicamente nunca divulgados pela grande imprensa golpista. A Rádio Viva FM, emissora cooperativa e cidadã de Assunção, diz em manifesto que as empresas de rádio-difusão paraguaias reunidas em Ciudad del Este afirmam que “a produção extensiva na região tem ganhado espaço a passos gigantescos com a desculpa do desenvolvimento. O que significa progresso para eles, no entanto, é a acumulação de riquezas de alguns com a produção de grãos e oleaginosas. Maquinaria importada das mais afamadas marcas, produtos químicos de uso agrícola, entre desfolhantes, fertilizantes e venenos, além das sementes tratadas e seu controle do sistema evolutivo são a chave. Este monólogo se repete num meio em que as gentes desesperadas que se recusam a sair de seus pequenos sítios são denunciadas como criminosos”.
O Bispo do Chaco, Mons. Edmundo Valenzuela denuncia “a invasão silenciosa de estangeiros, sobretudo brasileiros, que se apoderaram de milhares de hectares de terras no Alto Paraguai, burlando inclusive as leis nacionais que deveriam proteger nossa soberania.”
Com a ausência do Estado Paraguaio na região, continua o Bispo, essas pessoas chegam a construir postos policiais em pontos estratégicos das estradas e se encarregam de prover de boa comida e bonificações em dinheiro os agentes. Os uniformizados, por sua vez, devem depositar parte destes ganhos para seus superiores, a fim de ficarem naquele lugar, caso contrário serão denunciados.
Esta invasão silenciosa se dá desde a época da ditadura, e vem se consolidando a ponto de mais de 60% do solo já se encontrar em mãos de estrangeiros, que passam a explorar a mão-de-obra local.
Todo o pobre que é explorado e, ao mesmo tempo extirpado do processo produtivo pelo capitalismo selvagem praticado em países periféricos como o Paraguai, não é alheio ao sistema ora vigente. Como diz Marx, “ele faz parte do sistema, porque, simplesmente o sistema não se sustenta sem essa relação de exploração existente entre o capital e o trabalhador”.
Uma área de 2,6 mil hectares próxima ao lago de Itaipu, no lado paraguaio, ocupada, atualmente, por plantações de soja administradas pelos brasileiros Aldair e Ânderson Afonso Gomes, fazia parte de um lote desapropriado pelo Instituto Nacional do Indígena (INDI) para a instalação de uma reserva.
O cemitério indígena hoje é soja
“É nossa terra. Tratam-nos de invasores, mas estes brasileiros são os verdadeiros invasores, que compram com dinheiro os próprios funcionários do INDI, do INDERT (instituto responsável pela reforma agrária), para que estes se calem e os promotores venham desalojar-nos”, criticou um dos líderes indígenas.
Para provar o que afirmam, os nativos entregaram ao advogado Carlos Ortiz, assessor jurídico do governo do Departamento de Alto Paraná, documentos que confirmam a propriedade da área, que ao que tudo indica, teria dois títulos diferentes: um em poder dos índios; outro, dos irmãos Gomes. Íntegra da matéria
O sítio do periódico E'a, propriedade da Cooperativa de Trabajo de Comunicadores y Periodistas, sediada em Assunção, denuncia que no Chaco, o Censo Agropecuário 2008 aponta que 4.800.000 hectares do país estão na mão de brasileiros. Lá também está uma das maiores propriedades privadas do continente, de 600 mil hectares, pertencente à Seita Moon.
Na foto ao lado pode-se ter uma noção da área usurpada da tribo indígena Ayoreo, cuja extensão na década de 50 é representada pela área verde.
Manipulação
A pesquisa do Mestre Carlos Ferreira chegou à conclusão que os campesinos, externos aos movimentos sociais, são manipulados pelos grandes fazendeiros a invadirem as propriedades dos camponeses brasiguaios, incendiando as construções, matando os animais e destruindo as plantações. Horrorizados, os camponeses brasiguaios acabam abandonando sua terra.
O grande capital que manipula os campesinos externos ao movimento, que historicamente vive em conflito com os brasiguaios, ignora as comunidades, contamina os rios e desmata a floresta, fazendo com que os camponeses descapitalizados, humilhados e oprimidos, retornem para o Brasil, num fluxo alucinante à procura de terra e trabalho, mesmo conscientes das dificuldades a serem enfrentadas na volta.
Portanto, a miséria que se espalhou nos dois lados da fronteira tem uma única face, a da expansão do agronegócio para fins de acumulação, que visivelmente trouxe muita riqueza para a região do Alto Paraná, mas é manifesto, também, que essa riqueza atinge uma pequena parcela da sociedade na região em questão, ou seja, os “brasileiros” e as “autoridades paraguaias do Partido Colorado”. Logo, o novo paradigma da agricultura paraguaia promove muito mais desigualdades e pobreza do que igualdades de oportunidades.
Legitimamente, os campesinos que fazem parte dos movimentos de luta pela terra como, por exemplo, a Federação Nacional Camponesa (FNC), não invadem pequenas propriedades, eles têm a mesma política de ocupação do MST brasileiro, ocupando grandes fazendas improdutivas que, na verdade, são terras para especulação, terras de negócio.
Um importante fato é que o agronegócio, para se expandir, necessita da mão-de-obra barata dos imigrantes brasiguaios. Portanto, existe um grande contingente desses brasiguaios que trabalham nas fazendas e no meio urbano na região que é o contingente mínimo de que necessita o mais novo modelo de produção do campo paraguaio.
Atualmente verifica-se que o processo de reprodução do capital no vizinho país é viabilizado pela exploração da força de trabalho dos brasiguaios no meio rural, como empregados diaristas e mensalistas dos grandes fazendeiros e no meio urbano como trabalhadores braçais, principalmente nos silos. Esses brasiguaios que permanecem em território paraguaio sendo explorados pelo capital, geralmente são ex-camponeses que já re-imigraram para o Brasil e, posteriormente, voltaram em terras guaranis por falta de alternativas de trabalho em solo brasileiro.
Importante frisar que o silo é a materialização do agronegócio. Tudo passa pelo silo, desde a obtenção de sementes, insumos e, principalmente, empréstimos aos agricultores, uma espécie de banco rural. Esses silos, na sua grande maioria, pertencem aos grandes fazendeiros ou a empresas transnacionais como a Cargil, a Agrofértil e a Lar.
Dominação e massacre
A denominada "tecnologia moderna"
A questão cultural, como por exemplo, a tentativa de imposição da língua portuguesa, dos símbolos, como os CTGs, foram fatores culminantes para legitimar as atrocidades praticadas contra esses trabalhadores, e também para a deflagração de conflitos entre camponeses imigrantes, os chamados brasiguaios e campesinos paraguaios, intensificando, por conseguinte, a partir da década de 1990, com o advento e avanço do agronegócio na região em questão.
Mesmo com a mídia local diuturnamente “rasgando seda” a respeito da Itaipu Binacional, nem todo mundo arrima esta posição. No livro “A taipa da injustiça: esbanjamento econômico, drama social e holocausto ecológico em Itaipu” (MAZZAROLLO, J. 2003. 2ª ed., São Paulo), pode-se ler este primor:
Os senhores do dinheiro uniram-se aos senhores da guerra e obrigaram todos os seres humanos a ficarem a seu serviço, e assim a humanidade perdeu a paz. Para facilitar a dominação, os senhores do dinheiro inventaram uma grande mentira: disseram que o desenvolvimento econômico era necessário para que os seres humanos não morressem de fome e fossem mais felizes. O que eles queriam, na realidade, era ter mais dinheiro.
Para reduzir as resistências e para dar uma aparência digna aos seus serviçais, usaram argumentos humanísticos. A verdade, porém, acabou aparecendo e hoje só uns poucos ainda fingem acreditar na fantasia.”
O bom senso nos faz clamar, através de citação de Dora Martins & Sonia Vanalli (em Migrantes. São Paulo: Contexto, 1994):
A terra fértil ao homem que vai cultivá-la, gerando alimentos para todos, eliminando a fome e a miséria, promovendo justiça, formando verdadeiramente um povo forte, dono do seu próprio destino. E aí sim, poderemos ser chamados de NAÇÃO!
Ao homem, a terra de trabalho, JÁ!”

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